terça-feira, 8 de maio de 2012

Carro Véio




Eles fazem sorrir. Não queira ter uma relação com seu carrão cheio de botões, reboque cromado para não puxar nada, flex powers, trios elétricos, fly by wire, e ABS igual à que eu tenho com o meu. Você vai perder. Meu carro tem nome, eu converso com ele e entendo o que se passa no seu coração. Ninguém olha para você nesse esquife filmado com vidros escuros como o breu. Para mim, todos olham e acenam. Se o seu carrão pifar no meio da rua, ou numa estrada no fim do mundo, ninguém vai parar para te ajudar. E se alguém se aproximar, você vai achar que é ladrão. Se o meu estancar no meio da avenida mais movimentada de Goiânia, vem um monte de gente para empurrar. E é o pai de um que teve um igual ao meu, o tio do outro que dirigia um táxi idêntico, a avó de um terceiro que ainda tem o seu guardado na garagem que só usa para ir à feira, e se eu não souber o que fazer para ele pegar de novo, alguém saberá. Meu kit de sobrevivência nas ruas é barato. Um joguinho de ferramentas, desses que se compram em camelôs, com uma chave de fenda, um alicate, algumas chaves de boca e arame: arame é essencial. Oh, que coisa mais primitiva, dirá você. OK. Tenha uma pane no seu carrão eletrônico para ver o que acontece. Nem tente abrir o capô. Você não sabe o que tem lá dentro. Cuidado, ele pode te engolir. Torça para o celular estar com o sinal pleno e chame um guincho, a seguradora, o papa. Sente e espere. Seu carrão só vai funcionar de novo quando conectarem um laptop nele. E prepare o talão de cheques. Meu carro, não. Tem carburador, distribuidor, diafragmas, bobina e velas, tudo à vista. Sei quando o piripaque é na bomba de gasolina. Sei quando é sujeira da gasolina. Sei assoprar um giclê. Aliás, sei onde fica o giclê. Procure algo parecido na sua injeção eletrônica. Seu carro é um emérito desconhecido sem história ou currículo. O meu têm 30 anos ou mais, já passou por muita coisa nessa vida, e quando saiu de uma concessionária, décadas atrás, estacionou na garagem em forma de sonho realizado. Carro fazia parte da família, antigamente. Ah, mas o meu tem ar-condicionado, disqueteira e controle de tração, dirá você. Sim, mas você nunca terá o prazer de dirigir de vidros abertos e cotovelo para fora da janela, meu rádio toca as mesmas músicas, e não me faça rir com o seu controle de tração. Quantas vezes ele foi necessário? Além do mais, existe um negócio chamado prazer. Prazer de ter algo que lhe é caro e precioso, mesmo que não valha muita coisa. Carros iguais ao seu todo mundo tem. Vejo aos milhares todos os dias, e nenhum deles tem a cara do dono. O meu tem. E quando ele quebra, eu mesmo conserto. E ele me agradece andando de novo, fazendo com que as pessoas sorriam quando passa nas ruas, fazendo barulho e soltando fumaça. Não há nada como um automóvel que faça alguém sorrir.